20 de outubro de 2009

LI E GOSTEI (7)

A gala mais memorável de todas foi a que os venezianos prepararam para a visita de Henrique III de França, em 1574 — um evento que, embora sem particulares consequências políticas, ficou de tal forma gravado na memória da cidade que é quase sempre incluído nas listas de datas importantes de Veneza. Palladio desenhou arcos triunfais de boas-vindas, que Tintoretto e Veronese decoraram, e Henrique III (na altura com 23 anos) foi transportado pela cidade num barco impulsionado por 400 remadores eslavos, com uma escolta de 14 galés. Durante a travessia da laguna, a frota foi acompanhada por uma enorme balsa, onde vidreiros criavam objectos de vidro para recreação d'EI- Rei ao lado de uma fornalha que mais parecia um monstro marinho gigantesco a vomitar fogo pelas mandíbulas e narinas — em breve se lhe juntou uma segunda armada de barcos com curiosas decorações, fantasiosos ou simbólicos, repletos de golfinhos e deuses marinhos ou adornados com ricas tapeçarias. Em Veneza, o palácio que dá pelo nome de Ca’Foscari, e que fica no Grande Canal, foi especialmente preparado para a visita real. Ornamentaram-no com pano de ouro, tapeçarias orientais, mármores raros, sedas, veludos e pórfiro. Os lençóis eram bordados a seda carmesim. Os quadros, adquiridos ou encomendados especialmente para a ocasião, eram da autoria de Giovanni Bellini, Ticiano, Paris Bordone, Tintoretto e Veronese. Para o banquete principal, que teve lugar na gigantesca Câmara do Grande Conselho do Palácio dos Doges, suspenderam-se temporariamente as leis sumptuárias, e as mulheres mais belas de Veneza lá apareceram com trajes de um branco deslumbrante, «adornadas», como nos diz certo historiador, «com jóias e pérolas de grande tamanho, não só ao pescoço, mas também sobre o penteado e as capas que traziam pelos ombros». Da ementa constavam 1200 pratos, mil convidados comeram em baixela de prata, e as mesas estavam decoradas com estátuas de papas, doges, deuses, virtudes, animais e mores, todas feitas de açúcar, desenhadas por um arquitecto eminente e moldadas por um boticário talentoso. Quando Henrique III pegou no seu guardanapo de pregas elaboradas, descobriu que o mesmo também era feito de açúcar. Quando a refeição se aproximou do seu término, serviram-se 300 tipos diferentes de bombons, e depois do jantar El-Rei assistiu à primeira ópera representada em Itália. Quando Henrique III saiu finalmente para a noite, descobriu que uma galé de que lhe haviam apresentado as partes componentes no início da noite fora montada durante o banquete no cais em frente: a galé foi lançada à laguna aquando da sua saída do palácio, juntamente com um canhão de sete toneladas que os venezianos fundiram entre a sopa e o suflê.
Segundo alguns historiadores, o pobre e jovem rei, que se vestia de forma muito simples e gostava de passear anónimo por cidades desconhecidas, nunca mais voltou a ser o mesmo e viveu o resto da vida num perpétuo deslumbramento.


Jan Morris, Veneza