14 de outubro de 2011

MISÉRIA CRIATIVA. Tal como sucedeu com Ninguém Escreve ao Coronel, que escreveu em Paris enquanto vivia na penúria, García Márquez passou apertos financeiros durante grande parte dos catorze meses que demorou a escrever Cem Anos de Solidão, apertos que o levaram a vender alguns bens (automóvel, rádio, televisor, secador de cabelo, aquecedor) e a acumular dívidas resultantes de produtos de primeira necessidade (mercearia, talho, etc.). Segundo García Márquez: el viaje a la semilla, por muitos considerada a mais completa biografia do escritor, Gabo terá enviado ao editor de Cem Anos de Solidão apenas metade do manuscrito por não ter dinheiro bastante para mandar a totalidade, e posteriormente ter-se-á visto obrigado a vender mais uns tarecos para suportar os custos de envio do restante. Sim, antigamente os artistas passavam toda a espécie de privações — e produziam obras notáveis. Hoje há bolsas de criação literária, lugares apropriados para escrever — e o resultado são obras que ao fim de dois anos já ninguém se lembra. Cada vez me convenço mais de que a fartura é inimiga das artes em geral e da literatura em particular, mas talvez seja um sintoma de que estou e ficar velho.