13 de outubro de 2011

ROBERT WALSER NÃO MERECIA ISTO. Por não dominar o alemão, comecei a ler Os Irmãos Tanner em tradução inglesa, e como prefiro em português quando é tradução, comprei a edição da Relógio D’Água mal tive oportunidade. Como demonstrarei a seguir, em má hora, que a tradução é tão má que só vendo. Além das redundâncias («bastante estupefacto», «deliciava bastante», «bastante irrelevante», «os pensamentos podem pensar», etc.), detectei as seguintes misérias só no primeiro capítulo (onze páginas):

«Não era, porém, exactamente esse o caso, pelo menos até agora, na verdade, o contrário é que se verificava, e a tal ponto que o Dr. Klaus começou a recriminar-se vivamente.» (Página 9)

«Eis um novo incumprimento, e apenas provava de forma exemplar que mesmo as pessoas mais escrupulosas nunca conseguem cumprir todos os seus deveres, mais ainda, que são sobretudo elas quem muitas vezes ignoram os seus deveres mais importantes para só mais tarde, porventura tarde de mais, se lembrarem de novo deles.» (Página 10)


«Ainda vais a tempo de te tornares um excelente e brilhante vencedor, e nem imaginas até que ponto um vendedor tem a oportunidade de transformar a sua vida numa vida fundamentalmente cheia de vida.» (Página 11)

«Talvez devesse ter intervindo mais cedo e ajudado mais com actos e menos com palavras de incentivo, mas não sei, orgulhoso como és, com um orgulho que se ajuda sempre e apenas a si próprio, se calhar mais depressa te ofendia, em vez de te convencer.» (Página 11)

«Talvez sejas mais rico do que eu, talvez tenhas mais esperanças e mais razão em acalentá-las, tens planos e perspectivas que eu nem sequer posso imaginar, na verdade já não te conheço bem, e como seria isso possível depois de tantos anos de separação?» (Página 12)

«Talvez ainda venha a ver todos os meus irmãos felizes, em todo o caso, gostaria de te ver alegre.» (Página 12)

«O senhor desiludiu-me, não ponha essa cara de espanto, não há nada a fazer, deixo hoje a sua livraria e peço-lhe que me pague o que me deve.» (Página 12)

«Do escritório ao lado, cinco cabeças lado a lado de empregados e ajudantes observavam e escutavam a cena.» (Página 13)

«Depois procuramos um lugarzinho fresco na orla da floresta, onde os olhos, enquanto estamos assim deitados, têm diante de si uma imagem fabulosa, onde os sentidos repousam naturalmente e onde os pensamentos podem pensar a seu bel-prazer.» (Página 15)

«Conhecia gente de trato agradável, escrevia com ligeireza e sem cansaço o dia inteiro, fazia contas, anotava o que lhe ditavam, com grande destreza aliás, comportava-se lindamente para sua própria surpresa, o que levou a que o seu superior se interessasse vivamente por ele, bebia todas as tardes a sua chávena de chá e, enquanto escrevia, olhava para a janela clara e arejada e sonhava.» (Página 15)

Constato, alarmado, que comprei mais dois títulos de Robert Walser (O Ajudante e Jakob von Gunten), também da mesma editora, e corro a ver quem traduziu. Confirmo o pior cenário: o tradutor foi o mesmo. Lidos os primeiros parágrafos, lá está a marca inconfundível:

«Esperou ainda um momento, como se reflectisse sobre alguma coisa, sem dúvida bastante irrelevante, depois premiu o botão da campainha eléctrica e chegou alguém para lhe abrir a porta, a criada ao que tudo indicava.» (O Ajudante, logo no primeiro parágrafo)

«Aprende-se muito pouco aqui, há falta de professores, e nós, rapazes do Instituto Benjamenta, nunca seremos ninguém, por outras palavras, nas nossas vidas futuras seremos apenas coisas muito pequenas e subalternas.» (Jakob von Gunten, logo a abrir)

Parecem-me, contudo, um pouco melhor traduzidos, ou melhor revistos, que o revisor foi outro e eu não tenho a certeza se o problema foi da tradução ou da revisão. Numa coisa, porém, tenho a certeza: vou retomar a versão inglesa d’Os Irmãos Tanner, e não lerei os restantes na tradução portuguesa. Além de me considerar lesado em cinquenta e tal euros, lamento, sobretudo, pelo escritor, que obviamente não merecia tanta mediocridade.