30 de janeiro de 2013

E OS ADVOGADOS, SR. BASTONÁRIO? O bastonário dos Advogados falou e disse: há, em Portugal, «demasiadas violações dos direitos dos cidadãos» e dos «direitos humanos». Disse mais: fazem-se alterações de «leis essenciais ao funcionamento da Justiça» com a finalidade de «conquistar popularidade fácil». «Políticos sequiosos de popularidade fácil, jornalistas moralmente corrompidos, polícias fundamentalistas, magistrados indignos da sua função - todos convergem para gerar o ambiente social que exige sempre penas mais pesadas, medidas de coação mais duras», prosseguiu Marinho Pinto. E disse ainda: há interrogatórios policiais sem a presença de advogados, abundância de «fundamentalismo justiceiro de muitos magistrados e polícias», e «leis grosseiramente inconstitucionais». Sobre os advogados, co-responsáveis pelo retrato que faz da justiça em Portugal (basta ver a quantidade de advogados sentados na Assembleia da República a fazerem as tais leis essenciais), nem uma palavra. Bem prega frei Tomás.
VOLTA NA TUMBA. Li com atenção os motivos invocadas pela família para a reedição, esta semana, da correspondência entre Eça de Queirós e a mulher, mas não fiquei convencido. A coisa destina-se a rebater a tese de João Gaspar Simões, segundo a qual o escritor terá feito um «casamento de conveniência» e sido um pai pouco afectuoso? Porque não terá, segundo os filhos, sido assim? A ser verdade o que dizem, que importância terão esses factos na obra de Eça? Admitindo que o pai não teve, ao escrevê-las, «a mais leve suspeita que olhos curiosos devassariam o que fora escrito apenas para uns olhos» (os da esposa), como admitem, não estarão os filhos, organizadores do volume, a desrespeitar um desejo do pai? Quem tinha dúvidas sobre estes assuntos irá, depois do livro, continuar a tê-las, e não vejo que Eça de Queiroz entre os seus, agora reeditado pela Caminho, acrescente uma vírgula à obra. Ou era outra a ideia?

28 de janeiro de 2013

ORA CONVERTAM LÁ. Miguel Sousa Tavares defendeu, no Expresso, que os sábios que cozinharam o Acordo Ortográfico deviam aparecer em público com a cara pintada de preto e pedir desculpas, e dar-lhes-ia como castigo a conversão à nova ortografia do Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Por uma vez concordo com o Miguel, e o castigo parece-me justíssimo. Para quem não sabe do que está a falar, eis o primeiro parágrafo do Grande Sertão: « — Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser — se viu —; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão: determinaram — era o demo. Povo prascóvio. Mataram. Dono dele nem sei quem for. Vieiram emprestar minhas armas, cedi. Não tenho abusões. O senhor ri certas risadas... Olhe: quando é tido de verdade, primeiro a cachorrada pega a latir, instantaneamente — depois, então, se vai ver se deu mortos. O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucúia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o que aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucúia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá — fazendões de fazendas, almargem de vargens de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda a parte.» Ora digam lá que não ficava uma maravilha.

25 de janeiro de 2013

MENTIRA ATÉ PROVA EM CONTRÁRIO. Há uma coisa que todos já perceberam na malcheirosa história do doping no ciclismo: se os principais protagonistas contarem «tudo o que sabem», como alguns ameaçam, o ciclismo profissional, pelo menos o ciclismo profissional tal como o conhecemos, vai ter que começar do zero. Alguém duvida que existam muitíssimos mais ciclistas de primeiríssimo plano (para já não falar dos outros) que consomem, há anos, substâncias proibidas destinadas a aumentar a performance? Com, ou sem, o conhecimento das autoridades, nacionais e internacionais, também elas cada vez mais suspeitas? Se alguém tem dúvidas, os próximos meses encarregar-se-ão de as desfazer. É por isso que já aqui defendi a legalização do doping no ciclismo, que estendo a outras modalidades, que o doping sempre existiu, antes e depois de ser proibido. Por mais sofisticados que se tornem os mecanismos para o detectar, haverá sempre mecanismos ainda mais sofisticados para o esconder. O consumo de substâncias proibidas adquiriu tal dimensão que a suspeição é generalizada, criando a ideia de que todos se dopam até prova em contrário. Poderá ser um exagero, em alguns casos uma injustiça, mas a verdade é que são tantos os casos que se conhecem e/ou se suspeita que se torna difícil pensar doutro modo.

24 de janeiro de 2013

ESTÁ TUDO DOIDO. O presidente do Conselho Nacional da Ética para as Ciências da Vida propôs ao Ministério da Saúde, em Setembro do ano passado, uma receita para reduzir o que considerou um desperdício de recursos nos tratamentos mais caros para doenças como o cancro e a sida. «Será que mais dois meses de vida (...) justifica uma terapêutica de 50 mil, 100 mil ou 200 mil euros?», questionou, então, o sujeito. Ontem, o ministro japonês das Finanças defendeu que os doentes idosos deviam morrer o mais depressa possível, pois os tratamentos de que geralmente necessitam representam uma «carga financeira» muito elevada para o país. Hoje ficamos a saber que um tribunal português decidiu retirar sete filhos a uma mãe e disponibilizá-los para adopção, alegando o juiz que a mãe não arranjou emprego nem laqueou as trompas, como terá sido acordado com a Segurança Social. Outros casos haverá que não chegaram aos media, mas estes sobejam para constatar uma evidência: a obsessão pela economia e finanças dos «políticos modernos» tornou-se de tal movo perigosa que convém estar atento. Sim, é preciso ter cuidado com esta gente, que tudo reduz a contabilidade e para quem as pessoas não contam.
LEVIANO PINTO. Seguramente que o bastonário dos Advogados conhece os meandros da justiça melhor que qualquer cidadão, mas é evidente que não são apenas os juízes e os tribunais os responsáveis pelos males da justiça, como defendeu num congresso. Os advogados e o seu bastonário são co-responsáveis pelo seu mau funcionamento, e o próprio Marinho Pinto, tantas vezes louvado pelo desassombro com que diz algumas verdades, contribui mais para agravar os problemas que para os resolver. Se a ideia é melhorar o funcionamento da justiça, seria bom começar por admitir erros próprios antes de apontar os alheios.
ABUTRES. Imaginemos que a foto era verdadeira. Ter-se-ia justificado a sua publicação?

22 de janeiro de 2013

SIMPLIFICAR COMPLICANDO (2). O extraordinário «negócio» do Acordo Ortográfico não pára de surpreender. Segundo a professora Maria Regina Rocha, a coisa, que pretendia unificar a grafia dos povos que falam a mesma língua, acabou por aumentar, e muito, as variantes usadas nos diversos países. Contas por alto, o novo Acordo acrescentou seis centenas e meia de palavras, que passaram a escrever-se de forma diferente. Estão à espera de quê para suspender a aberração, como já fez o Brasil e Angola? Aliás, a ser verdade o que diz Vasco Graça Moura (e não há razão para duvidar), nem é preciso suspendê-lo, que por não ter sido ratificado por todas as partes nem chegou a entrar em vigor. E como não entrou em vigor, vigora, como é óbvio, o anterior. Alguma dúvida?
SIMPLIFICAR COMPLICANDO (1). À medida que se vão conhecendo mais exemplos, não há dúvida de que o professor Malaca e seus colaboradores, e depois os srs. deputados, pariram um monstro. Alguns exemplos de substituições previstas no novo Acordo Ortográfico enviados ao ministro da Educação por um conjunto de personalidades que contesta a nova ortografia: pato por pacto; impato por impacto; reto por repto; intato por intacto; adeto por adepto; oção por opção; invita por invicta; convito por convicto; inteletual por intelectual; compato por compacto, seção por secção; fição por ficção; fitício por fictício. Bonito, não é?

18 de janeiro de 2013

EMIGREM, EMIGREM. O primeiro-ministro negou, em Paris, que alguma vez tenha aconselhado os portugueses a emigrar. Negou mais: «ninguém» do seu Governo alguma vez «aconselhou os portugueses a emigrar». Acontece que os factos demonstram o contrário. O primeiro-ministro sugeriu, em finais de 2011, que os professores desempregados emigrassem para os países que deles necessitassem, e até apontou Angola e Brasil como possíveis destinos. Também o secretário de Estado da Juventude do seu Governo aconselhou, uns meses antes, os jovens desempregados a emigrar. Há um mês, o secretário de Estado das Comunidades anunciou, em São Paulo, ainda haver espaço de emigração para o Brasil. Disse mais: «O momento do Brasil é de demanda de quadros preparados», e segundo ele Portugal tem-nos em qualquer área. Reparem bem: os portugueses mais qualificados, que tanto custaram ao país a formar. Valerá a pena dizer que num país a sério o discurso do Governo seria prometer aos seus concidadãos tudo fazer para evitar que emigrem?

16 de janeiro de 2013

MASSACRES EM ANGOLA. João Brandão Ferreira deu à estampa, no Público, uma prosa indignadíssima sobre uma peça publicada naquele mesmo jornal onde foi dito, citando um relatório de um militar português, que o Exército português participou numa «acção punitiva» em Angola de que resultaram «terroristas» decapitados. Segundo o sujeito, que se intitula «oficial piloto-aviador e português com vergonha na cara», a tropa portuguesa teve motivos, que depois passou a explicar. Acontece que Brandão Ferreira afirma a determinado ponto: «Não tenho qualquer dúvida que o relatório aludido é verdadeiro e que o caso relatado não foi o único que ocorreu.» Vai mais longe: «Não foi a única vez que se cortaram cabeças aos bandidos que nos retalharam a carne e os haveres», e no caso que tanto o indignou até diz que «se justificou». Ora, João Brandão acha que o relatório não devia ser notícia? O facto de a «corja de assassinos» (como ele designa as vítimas da «acção punitiva») terem feito mil vezes pior aos nossos justifica que também o façamos a eles? Ou apenas sugere que se escondam estas vergonhas? Fui ler o artigo que tanto o incomodou e não vi, ao contrário do que sugeriu, a opinião das «moças jornalistas» a fazerem-se «de virgens ofendidas». Se li bem, as jornalistas limitaram-se a transcrever o documento e a citar, a propósito, variadíssimas fontes, que tiveram o cuidado de isolar (e contextualizar) o incidente, tornando-o, eventualmente, menos chocante. Ao contrário do que diz, a peça do Público foi oportuna, e o jornalismo a que torce o nariz só peca por não fazer mais coisas destas. Se «todas as guerras acarretam actos de violência gratuita e inumana», como afirma, por que não admiti-los? Brandão Ferreira chama a isto um exercício de autoflagelação «sem motivo para tal», característica, segundo ele, do povo mais masoquista que conhece. Eu chamar-lhe-ia enfrentar as coisas tal como são, não como gostaríamos que fossem. Por mais que se revelem verdades que nos envergonham, que todos sabemos existir.

11 de janeiro de 2013

POR QUE NÃO EXPLICAM? Provavelmente a ajuda do Governo ao BANIF é a melhor solução para o país, ou a solução menos má, e digo-o sem qualquer ironia. Mas por que não explica o Governo aos portugueses as razões que o levaram a injectar 1100 milhões de euros no banco, tornando-se, assim, o primeiro accionista? Por que razão situações destas nunca são devidamente explicadas aos portugueses? Presumindo que decisões de teor levantam inúmeras interrogações, e se prestam a ser vistas como dar dinheiro a quem mais tem extorquindo-o a quem menos tem, por que não explica o Governo tudo muito bem explicadinho? Como julgo evidente, por uma razão simples: por mais voltas que dê, jamais o Governo demonstrará cabalmente a bondade da coisa. Até porque os portugueses já viram filmes do género, igualmente pagos pelos contribuintes, e sabem como acabaram.

9 de janeiro de 2013

PRESSÕES. Alguém me explica por que razão os juízes do Tribunal Constitucional não podem ser pressionados? Será que os digníssimos cavalheiros não estão, mais que ninguém, «blindados» contra pressões? Se não estão preparados para pressões, ou para não ceder a pressões, quem estará preparado? Acaso não somos, todos nós, pressionados diariamente? Era só o que faltava que se criasse uma espécie de muro de silêncio em volta dos senhores juízes sempre que eles têm importantes decisões a tomar. Pelo contrário, considero a pressão útil e saudável. Considero mais: as pressões obrigá-los-ão a ponderar melhor a matéria que vão decidir — logo ajudá-los-ão a decidir melhor.

7 de janeiro de 2013

HISTÓRIAS POUCO EDIFICANTES. Não sou sportinguista, e de bola pouco mais sei que o essencial. Parece-me, no entanto, que a actual situação dos «leões» não é motivo de regozijo para um só português que goste de futebol. Mas a gente olha para a actual estrutura directiva e pasma com o que vê. Vai haver uma grande mudança, prometeram os dirigentes. Só que após a entrada de Jesualdo Ferreira passou a haver declarações diárias sobre o treinador em funções, cedo se tornando evidente que a ideia do manager era criar-lhe uma situação de tal modo insustentável que só podia chegar onde hoje chegou, pois Jesualdo nunca escondeu a ambição de lhe tomar o lugar. Como ninguém quis assumir a responsabilidade logo à primeira hora, antes preferindo passar a ideia de que o Sporting ensaiava um novo modelo de gestão desportiva, os dirigentes leoninos mais não fizeram que prolongar a agonia do treinador — e, o que foi pior, desmotivá-lo, e com ele o «grupo de trabalho». O espectáculo em cena, de que hoje conhecemos o fim do primeiro acto, começou mal e acabará pior.

2 de janeiro de 2013

ESTADOS DE ALMA.


Terminei o ano a ler Factotum, de Bukowski, e comecei o novo a reler As Farpas, de Eça, agora como foram inicialmente editadas. Pelo menos duas coisas em comum entre Eça e Bukowski: pessimismo e desencanto, embora por motivos diferentes. Há dias voltei a Ficções, de Jorge Luis Borges, e a’Os Passos em Volta, de Herberto Helder, dois livros que não me canso de reler e a que hei-de voltar. Tal como hoje voltei à música de Morten Lauridsen (no vídeo), simplesmente divina.