15 de março de 2017

REAL NEWS.

1. Kellyanne Conway, assessora de Trump e propagandista dos negócios da filha do Presidente, sugeriu que pelo menos 20 por cento dos jornalistas que cobriram as presidenciais americanas deviam ser despedidos, alertou para a existência de «factos alternativos» (deu um exemplo com um massacre que nunca existiu depois de já ter atribuído a Obama uma decisão que não tomou), e mais recentemente tentou impingir-nos a ideia de que o ex-presidente espiou Trump com um microondas.

2. Steve Bannon, especialista em fake news e ao que dizem responsável pela estratégia da Casa Branca, comentou que os media deviam calar-se, e posteriormente garantiu que a relação entre os media e a Casa Branca «só vai piorar» (dois dias depois CNN, BBC e New York Times seriam proibidos de aceder a um briefing na Casa Branca).

3. Lamar Smith, congressista, recomendou aos americanos que ignorem os media e obtenham as notícias directamente do Presidente, pois só assim terão «a verdade nua e crua».

4. Donald Trump, Presidente dos EUA, já chamou aos jornalistas tudo o que há de pior. Desonestos, asquerosos, escória, inimigos, lixo, a forma mais baixa de vida, os seres humanos mais desonestos da Terra — eis algumas pérolas de que me lembro.

5. Vale a pena lembrar que os jornalistas visados pelo Presidente trabalham para a CNN, ABC, Associated Press, NBC, Washington Post, New York Times, Politico, Atlantic, New Republican, Los Angeles Times, Financial Times, e a certa altura até para a Fox News, que Trump respeita consoante os dias. Se os media citados não são credíveis (incluindo, vá lá, a Fox News), quais são, então, os media credíveis?

6. Como se percebeu desde a primeira hora, a estratégia de Trump tem sido descredibilizar os media (a última foi acusá-los de serem inimigos do povo americano), até agora razoavelmente bem-sucedida (instalar a dúvida sobre a credibilidade dos media é já uma vitória). Como se verá a seu tempo, não vai durar sempre.

7. Talvez o primeiro sinal de que já viu melhores dias sejam os «factos alternativos», que a administração jurou existirem, mas que os exemplos que foi dando liquidaram logo à nascença (não será por acaso que deixou de falar deles). As baixas causadas pelos media (demissão do conselheiro para a Segurança Nacional e afastamento do procurador-geral da comissão que investiga a interferência russa nas presidenciais) são outro sinal, a que se junta o facto de alguns media de referência terem visto crescer o número de leitores/ouvintes/espectadores, contrariando as recomendações da administração Trump e demonstrando que os leitores/ouvintes/espectadores têm cada vez maior apetência por notícias veiculadas por quem lhes garante maior rigor (leia-se os media tradicionais, mesmo com todos os defeitos).

8. «Factos alternativos» são, evidentemente, mentiras. E não é preciso andar para aí com uma lupa para ver que o Presidente foi, de longe, quem mais beneficiou com os «factos alternativos», para os quais contribui sempre que pode. O Presidente, a extrema-direita e a administração russa, que agora se vira para França e Alemanha, onde há mais trumps para eleger. Não falo de suposições, teorias da conspiração, verdades alternativas. Falo de factos a sério, contra os quais os mandarins de serviço declararam uma guerra que hão-de perder.